A BYSHA PODE ABICHAR?



      quão delícia é ter a sensação de se ver num reflexo mais próximo e se reconhecer, não é? eu fico pasme toda vez. além de gratificante ao meu organismo assolado, é louca também essa percepção de saber que você, todavia, existiu, mas existiu adormecida. nas piores das hipóteses, existiu de uma maneira errada. ou destoante. quebrantada.

      acompanhada de alguém não me sinto mais confortável em ver imagens antigas minhas, no caso, dessa matéria, como era eu no inicio de tudo. o desconforto que sinto não é pelo fato de não me reconhecer mais naquele serzinho fofo, mas é mais por não conseguir me conceber ocupando outros espaços, pisando em outros territórios que não seja esse chão aqui, o de agora, que me faço desfilando, sambando, achatando e perfurando. ainda estou no processo de estar entendendo como tudo aconteceu, o que fui, como sou, o que venho representando e o que eu posso expressar de melhor - a mim mesma, óbvio. evidente.

      é nítido que eu tenha um certo discernimento do que anda sucedendo comigo, mas não uma conclusão, uma finalização exata. e a cada dia pra mim é novo, é confortável e radiante.

eu brilho. eu cintilo. eu arraso.


       renasço todas às vezes que olho no espelho e vejo essa dilatação airosa de quem sou. cada dia mais infame, vulgar, decidida e pronta pra romper com as expectativas encarceradas. aprendo diariamente como é habitar num corpo novo, manusear numa corpa-sucata desprovida de privilégios, pois sou criança e tô no princípio do que me proponho a ser.

      por ter passado a maior parte da vida apagada, anulada, experimento-me a dizer que estou no auge do meu sucesso pessoal, só espero que seja somente impressão de pilotar uma embarcação incógnita, que eu não esteja no trajeto correto, mas que haja possibilidades dignas de manejar por agora dentro das minhas perspectivas, sem ambição de longevidade.

      eu sempre quis fazer um discurso fechado, mas caí dentro da minha própria prisão e não me assisto de outra forma que não seja essa expansão da extração do que emano dentro de mim, então cartógrafo nessa carta.

      para não causar romantização hipotética, já deixo avisado que não é nada fácil estar aqui deste lado, nesta vida. nadar neste mar pode ser um insulto pra quem, tragicamente, não se admite. entretanto, ando deveras sensata, focada em dar concessão exclusiva ao surgimento dos meus próprios desejos e caprichos, como antes nunca havia me permitido - como nunca deixaram eu me permitir.

      minha única preocupação no momento é em ser essa potência desajuizada, impura, irrestrita a certezas, e para além de me trazer sobriedade, esse manifesto a certo modo amortece os murros que levo do mundo quando me viro iconicamente em câmera lenta.

      algumas pessoas se afastaram dessa nova versão atualizada de mim nesse meio período, outras ainda procuram desnecessariamente aquela velha carcaça que não existe mais. existem pessoas que se achegaram com o tempo e que me aconchegam quando temos tempo de fazer o tempo. me afastei de algumas outras, aprendendo a desistir de outras pessoas que se recusaram a me enxergar como pessoa. honestamente, não sinto falta de ninguém. só sinto falta de viver em delírio o que me arrancaram impetuosamente durante anos. isso é a vida deste meu lugar, e é fabuloso quando se descobre a dinâmica e se assume as rédeas.

      não me afeta mais saber quem vai, quem fica. no game da real life tu precisa ser estratégykuir. dar pra ser racional a partir da emoção ou vice-versa. de qual você precisa mais pra habitar? questione-se. o meu único empenho é sair bonita na fotografia. eu nunca fui carente, aprendi a lidar com a rejeição desde muito nova, atualmente sou o meu próprio acalento - que pode se confundir, erroneamente, com egoísmo, mas eu não ligo pra mais nada. só quero acrescentar dizendo que, hoje em dia sou quem rejeita! e outra: não espero por ninguém. 

 uma vez me disseram que o meu deboche um dia me engoliria.

      talvez eu realmente tenha ficado chata demais, arrogante demais, boba demais, ou surtada demais, como argumentam. torço para que seja verdade ou se torne verdade, que esse investimento a minha saúde esteja surtindo consequência, pois tá valendo a pena a cada segundo. estou de braços, boca e pernas abertas pra recepcionar essa profecia.

      e neste dia simbólico do Internacional de la Mujer, quero enfraquecer à norma celebrando a existência da minha byshalidade e promovendo um brinde provocativo as nossas corporeidades femininas-abjetas que se fazem objetivas nos desvios!



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