Compondo Feminilidade Contragolpe


uma das lembranças mais vivas que tenho instalada em mim é de estar pela manhã, na padaria do meu antigo bairro, comprando pão. dentre essas vezes, estava eu, sendo eu, na fila e ao meu lado, Fernanda, uma travesti da minha cidade que foi assassinada em Outubro do ano passado. ela, ainda jovem, debruçava-se no balcão, aguardando sua vez. eu, criança religiosa, no canto com receio de insinuarem que estávamos juntas. pensar que não, o padeiro que era atendente, pediu para que ela firmasse os joelhos que nem homem, causando toda um alvoroço. esse mesmo cara vivia me perseguindo, pai de família...

nesta época, eu já estava perturbada por conta do bullying da escola, aproveitei a algazarra em cima da Fernanda, e meti o pé dali, antes que sobrasse pra mim. tive que comprar pão em outra padaria. mais caminhos e mais possibilidades de encontrar com os paparazzis de bysha. saí daquele estabelecimento chinfrim com o coração partido e aprendendo um erro: a omissão. sabia que deveria desviar daquilo, já que me via pré-destinada.

pras que tentam acessar a masculinidade, como foi o meu caso, seu corpo acaba se desenvolvendo sem consciência e por hora, percebe-se rígida, controlada, adestrada. e por mais que ora ou outra surja um gesto delicado já é o suficiente pra colocar tudo a perder. e quando menos se percebe, deserdam-te. 

produzindo feminilidade me pego contornando e a aperfeiçoando o que a cisgenereidade não foi capaz de dar conta. na ânsia de destruir tudo que me foi imposto, prossigo contragolpeando olhares, dicas e cochichos pra deixar os meus dias mais leves. entre corredores e ruas, invento passarelas e me permito a caminhar feito bambi, como diriam há uns quinze anos atrás. e comprovar, se ainda houver dúvida, que bysha não passa, desfila!

luz na passarela, pois hoje acordei inchada!



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