CORPO DE COR





elogios e orgulhos por ter nascido, assim, desbotada. já fui um brinde por parte de alguns conhecidos, mas quando saía de casa, que encontrava com minhas amigas brancas, recebia inúmeros apelidos carinhosos, como o clássico “morenin”, vira-lata, cor de peido engarrafado, pessoazinha de cor, até mesmo encardida.

cada casa que entrava, uma identidade racial nova. multirracial. fui sugerida a me lavar algumas vezes. não é preta, mas branca também não. só pode estar suja. processando essas ideias, comecei a suspeitar que não estava me limpando o bastante.

a partir dos meus 13 anos comecei a ter fissura com esse corpo de cor. não bastava ser bysha, ter que suportar o advento infernal da mudança de voz, as causas e as consequências de ser quem se é, na mocidade, agora, com a nova coloração. mais um fardo. a miscigenação me deixou adoecida.

eu desejei ser branca por um tempo. editor de imagem, alisante, controlar a coloração da comida, referência. estética? norte-americaníssima. sol, não podia nem ouvir falar. pensei até que um determinado tempo da vida, inclusive, tornar-me-ia branca de acordo que fosse preenchendo os requisitos. mas não rolou, Faro. aqui, estamos. ainda bem.

escolhi o banheiro de casa pra gravar, pois é o cômodo do lar que mais gostava de estar e que tanto acolheu meus agouros. tive altos devaneios no chuveiro, enquanto me esfregava, na expectativa dessa cor, que me pertence, se escorresse ralo abaixo, junto com as espumas feitas de sabonete. em determinadas ocasiões, voltava ao boxe para me expurgar de novo. usando a esponjeira, raspava tanto as regiões mais coloridas da minha pele, que ficavam até feridas, na expectativa de alvejar. hoje em dia, eu ainda confundo o tom dos meus pés, mas sei me apreciar.

detergente, esponja, pedra-pomes, escovão e cabelo crespo também servem pra limpar manchas originadas pelo racismo, além da cor da pele?

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