há um pouco mais de dois
anos quando tentava cochilar no sofá de casa, minha mãe me acordava no meio da
madrugada, para irmos ao posto de saúde do nosso bairro, pegarmos uma fixa e
solicitarmos o encaminhamento para um psicólogo. minhas crises de pânico
estavam fortíssimas, não conseguia adormecer durante a noite. ia dormir todas
as manhãs achando que não escaparia, nunca estive tão mal. então, resolvi
acreditar no SUS, já que tava desacreditada de mim.
levantei triste por ser
pobre e ter que fazer esse sacrifício todo, mas feliz por ter uma mãe fofa. também
estava preocupada. da minha casa ao posto são dez minutos andando, talvez um
pouco menos. era madrugada, então provavelmente encortiçaríamos os passos. pra piorar, estávamos no inverno. muito frio, nem cachorro
de rua tinha na rua. saímos de casa bem nova iorquinas, patricinhas de quebrada.
chegamos lá, não havia
ninguém, só mamãe e eu. sentamos na calçada do posto, porque nem pra ter um segurança dentro do local, para acolher os pacientes no meio da noite, tinha. há
três metros de distância, do outro lado da rua, havia um cara armado. teríamos
ficado espantadas, caso essa cena não fosse comum aos nossos olhos. olhamo-nos
uma pra outra e nos mantemos em silêncio. o que falar, não é? depois chegou uma
mulher, por volta dos 40, acompanhada dos filhos adolescentes. um menino de mais ou menos
doze anos e uma menina de quinze.
não era nem quatro da
manhã, a fila já estava lotada. segundo uma das agentes, o posto distribuiria,
neste dia, aproximadamente 20 fixas (e não poderia ser mais de três pessoa da mesma rua ou quadra, algo assim). no meio do caminho, muita gente voltou pra
casa. essa era nossa terceira tentativa, por isso fomos as primeiras da fila. é sem dúvida um teste de resistência. a
maioria das pessoas vai ao acaso, não se informa antes... os agentes de saúde do Adalberto já foram bem mais distribuídos. antigamente frequentavam nossas
casas e ficavam encarregado disso, hoje em dia não vejo mais isso.
enfim, ficamos até às sete da manhã, esperando o
posto abrir, pra depois aguardar distribuírem as fixas, pra depois esperar até
um determinado horário o clínico chegar, pra depois esperá-lo se
organizar, para depois, começar atender-nos. lá se vai tempo. sem contar que tem toda aquela
burocracia e desorganização, de não acharem as nossas fixas. o descaso dentro
do consultório. fiquei tanto tempo esperando por um clínico e não fiquei dez
minutos dentro da sala. tentei ser o mais expressiva e detalhista possível, porém a doutora só anotou algumas coisas e bug bug bye bye. chegamos em
casa era quase meio dia... eu tava morrendo de fome, mas fui dormir. o desgaste
havia me comido.
essa semana, uma das agentes liga pro celular da
minha mãe, pra dizer que meu encaminhamento chegou, após dois anos. logo
agora que aprendi a lidar com o desequilíbrio... só consegui pensar nas pessoas
que morrem esperando por atendimento. inclusive, na hora que aguardava ser atendida, escutei uma das agentes ligando pra casa de alguém, pra dizer que a cirurgia de um senhor estava pra ser marcada, mas na sequência foi informada da morte do sujeito.
agora me vejo num dilema: se vou ou não. pois é
assim, né, gente, depois que passamos a nos conhecer fica meio complicado ouvir
qualquer coisa vindo de uma pessoa que não seja da tua redoma, sem contar no
risco que vou correr de encontrar um pciscoloko. sabemos bem a quantidade de
profissionais desqualificados e despreparados que estão em atividade,
desequilibrando as desconformes... eu hein,
agora só confio em mim e nas minhas irmãs. por enquanto, não penso em segregar a psicologia, porque tenho conhecidos que se desenvolvem bem na profissão e isso faz de mim menos pessimista. mas enquanto ela não fizer parte da minha realidade, na mesma proporção que é acessível a burguesia, será só folclore. minha mãe sempre disse que pobre não pode ter doença...
a precariedade me levou pra outros lugares, me
trouxe novas perspectivas e consequentemente, novas possibilidades de cura, de conduta
e novos ângulos de progressão. mas sofri tanto até encontrá-las... não queria
estar nesse lugar de ter que ficar me contorcendo por uma tentativa de
humanidade, me arrastando por sobrevivência, mas o fato é que estou, logo, vale ressaltar também que tô, mas estou
vencida. pobre power, como adoro dizer. agora em junho fez um ano que não sei mais o que é ter
crise de pânico, ansiedade e depressão. quando falo que tô bem, podem acreditar, estou ótima.
já que não posso com o governo, conto comigo. e assim,
se tivesse que dar uma dica para as pessoas que padecem desse ciclo nebuloso, é
não desistir. fiquei uns quatro anos fazendo ânsia de morte, mas D&us tinha
um propósito na minha vida. aproveitem a loucura pra surtar... eu nunca pensei
que adoecer fosse tão bom e me faria bem. tô bonita, segura, sensual, sedutora,
meiga, verdadeira e feminina. minha pele tá ótima, quem olha pra mim acha até
que sou atriz da Globo.
money no bolso é bom, gals, mas autonomia é tudo!
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