Templo do Corpo Vivo

espelho, espelho meu... existe templo mais bonito que o meu?

venho trabalhando com o feminino à minha corporalidade, desde sempre, mas só depois dos dezoito eu pude notá-lo com precisão e apreciá-lo sem moderação. de lá pra cá, mantenho-me imersa. hoje em dia, me vejo mais autônoma e consciente. dentro das minhas inquietudes, me aproximo e me possibilito ao questionamento, ao erro, à críticas e aos reparos. não há território mais legal do que fazer do meu corpo de cor, sucata, testiculado feminino o que eu bem entender. e ter a oportunidade de me imergir dentro dessas investigações a partir de minhas próprias experimentações, da minha própria roupagem.

ser testiculada e feminina, já foi um drama no passado. no meu presente, escrevo sorrindo. e projeto no meu futuro uma infância e adolescência que não pude desfrutar.
eu sou frustada quanto a isso, não consigo negar. agora, através dos espelhos daqui de casa, encontro os resquícios dos desenhos que rabiscava na infância. as figuras cabeludas, trajadas de vestidos longos e movimentos. tinham dias que desenhava até os dedos dar calos, sem grandes técnicas, sem grandes expectativas, mas com muitas vontades. desejos sucumbidos, que neste momento, faço questão de atendê-los em mimos. eu tô nascendo agora, mas com saúde. neste momento de grandes averiguações e descobertas, tudo faz sentido!

esses dias, chapada dentro de casa, compondo feminilidade, recorri a uma autoanálise antiga, onde me questiono o surgimento e o desenvolvimento do feminino em mim. eu poderia ser mais prática, nessa questão: mandar uma mensagem pra alguma irmã acadêmica, pedindo a indicação de um artigo que contemplasse as minhas indagações, mas gosto desse processo de encontrar respostas através das minhas buscas. produzir respostas ao invés de encontrá-las prontas. nesse sentido, talvez me percebam enquanto egoísta. talvez, também, eu tenha ficado. individualista, já sou. o que é muito bom. o que me torna mais confiante e proprietária desta matéria que muitos não alcançam.

colher frutos de sementes cultivadas no meu próprio quintal é jubiloso. falar por você é bem mais tranquilo do que falar por um monte.

 ainda pensando sobre o surgimento do feminino, numa corpa enviadescida, pude notar o que me diferencia de uma mulher, por exemplo, além da auto-identificação, é a consciência. como alerta Assuscena Assucena, “eu sei de mim, o que sei do mundo” em Tendão de Aquiles. sou uma bysha, porque sei de mim. e só sei ser isso. é minha conjuntura.

 em contraponto, pensando nas sugestões das pessoas para me converter ao padrão mulheril (quem tá por fora, rola um apelo inconsciente da galera te empurrando binariedade. é mais prático. eu por diversas vezes já pensei e cogitei me tornar uma mulher, mas no final das contas, seria só máscara. então, pra quê? pra ser ouvida mais rápido? pra ser mais apreciada? mais respeitada? seria bem mais fácil pra todo mundo, mas depois seria eu, no fim do fim do dia, criando crises identitárias, no meu quarto, depois de chegar em casa e ter conseguido provar aos outros que eu sou digna de ser o que sou, performando uma feminilidade que não é minha, que não me convém). nada contra quem é binário, só não me jogue um fardo que não é e nunca foi meu.

eu sou sucata. minha viadagem existe e, é notória. eu faço questão de não desperdiçá-la.

o que me intersecciona da mulher é o feminino. somos duas das grandes fontes feminis de outras e de muitas identidades que estão por aí, subalternas ou não, latinas ou não, ocidentais ou não. o nosso feminino, minha cara, bysha, minha cara, trava, minha cara, mulher, é o encontro de águas, que se cruzam por conta de um redemoinho. a sensação de desfrutar desse cruzamento de nascentes é plenitude, afinidade e regozijo. i love being a crazy bysha.

 sou testiculada, sou feminina. quero continuar sendo testiculada e feminina, e ainda ter o direito de habitar à minha natureza, desfrutando-a ao meu modo, à minha coreografia. habitar nesta corpagem deliciosa que descubro aos poucos, que sempre foi minha, porque todavia esteve aqui, mas que agora tenho consciência e cada vez, mais rédeas. todo dia é dia dela e, é o único território que sei lidar. o meu corpo é meu. templo da corpa viva.

sem depender de intervenções cirúrgicas, procedimentos estéticos, sem precisar de capital pra mover o que já sou, pra construir uma nova imagem, uma nova ideia que é óbvia. uma imagem que às vezes não corresponde com o que sinto e me projeto. ou que tá fora de mão, financeiramente falando. sem precisar ficar usando essas merdas de autodefesas que faço uso para se referirem a nós, princesinhas subalternas. é tudo chato. me cansa passar textão nas pessoas antes de me conhecerem, mas me sinto na obrigação, tanto por mim, quanto pra outras que estão a caminho. é desconfortável pra nós também.

eu quero ser gente como todo mundo também ou tentar, mesmo que seja uma perca de tempo. dizem. quero a total liberdade do ser quem se é, sem precisar ser um alguém que não sou. e sabe de uma coisa? mal vejo a hora de ser ultrapassada!

 
feminino é tech. feminino é pop. feminino é tudo!


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Todas as imagens do texto são cenas do vídeo performance, Testiculado Feminino.


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